A fumaça das queimadas tem encoberto cidades pelo país há dias, levantando a questão: será que o Brasil tem a cidade mais poluída do mundo? Segundo especialistas, apesar da poluição das últimas semanas, uma afirmação tão categórica é muito difícil de ser feita. Dados de plataformas especializadas mostram o contrário.
A empresa suíça IQAir, que mede a qualidade do ar, mostra São Paulo oscilando no topo de um ranking que inclui apenas 120 “grandes cidades” ao redor do mundo, junto com Lahore, no Paquistão. No entanto, a lista não contabiliza todas as cidades do planeta, somente um seleto grupo de metrópoles. A título de comparação, o Brasil tem mais de 5,5 mil municípios.
Em outra plataforma, a Purelogic Labs, São Paulo figura na 29ª posição até o começo da tarde desta segunda-feira. Antes do município aparecem cidades como Al Qurayyat (Arábia Saudita), Rameswaram (Índia), Bam (Irã), Lo Miranda (Chile), e Et Tira (Israel).
A diferença acontece porque as plataformas utilizam diferentes bases de dados. Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do departamento de Ciências Atmosféricas da USP, lembra que a plataforma suíça aponta Porto Velho (RO) como o município mais poluído do país nesta segunda-feira, e não São Paulo (SP). Nessa mesma lista, antes de São Paulo, figuram ainda no topo do ranking do Brasil Rio Branco (AC) e Campinas (SP).
No mundo, outras cidades que não estão no Brasil também apontam no ranking de pior qualidade do ar da IQAir com índices maiores que o de municípios no país. Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo, destaca que o mapa mostra São Paulo em vermelho, indicando alta poluição, mas regiões como Rondônia e parte da Bolívia aparecem em roxo, sugerindo poluição ainda maior.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia a qualidade do ar usando um banco de dados que compila medições anuais da concentração de poluentes, como dióxido de nitrogênio (NO2) e partículas de poeira (PM10 e PM2.5). A média das concentrações é calculada para representar a exposição típica em uma cidade. A base de dados da OMS é atualizada a cada 2-3 anos e abrange mais de 7 mil localidades em mais de 120 países.
Apenas 13 estados do país têm estações automáticas de qualidade do ar, o que dificulta o cálculo da poluição. Segundo um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a maioria das quase 250 estações de monitoramento automático do Brasil está na Região Sudeste, e os seus quatro estados lideram o ranking de quantidade de estações.
Beatriz Klimeck, doutora e mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, pontua que a qualidade do ar é uma questão complexa e é calculada de formas variadas por diferentes países e empresas privadas. Ela lembra que a estratégia precisa focar em outro ponto: a necessidade urgente de agir em relação aos cuidados com a qualidade do ar e com a fumaça das queimadas, uma mistura tóxica que inclui material particulado (PM2.5), monóxido de carbono (CO), compostos orgânicos voláteis (COVs), óxidos de nitrogênio (NOx) e ozônio, e metais pesados.
O Ministério da Saúde divulgou orientações para evitar a exposição à fumaça intensa causada por queimadas, incluindo aumentar a ingestão de água e líquidos, reduzir ao máximo o tempo de exposição, fechar portas e janelas, evitar atividades físicas em horários de elevadas concentrações de poluentes do ar, e usar máscaras do tipo “cirúrgica”, pano, lenços ou bandanas.
Em resumo, embora as plataformas mostrem que o Brasil tem cidades com alta poluição do ar, a falta de dados precisos e a limitada cobertura de medição tornam impossível afirmar qual cidade tem a pior qualidade do ar no mundo. A estratégia precisa focar em agir em relação aos cuidados com a qualidade do ar e com a fumaça das queimadas.